sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Maria João: «Só canto aquilo que sou capaz de mudar»


No início da sua tournée de apresentação do novo disco, integralmente dedicado à música brasileira, Maria João garante que, naquelas como noutras canções, só canta aquilo que é capaz de mudar.

«Só faz sentido para mim cantar aquilo que posso mudar e em que posso pôr a minha impressão digital», disse a cantora em entrevista à Agência Lusa, asseverando queessa foi uma das premissas de que partiu para a escolha do repertório do discossoas. Era isto que eu queria e que a [editora] Universal também queria», esclarece Maria João, cujos próximos concertos decorrerão no Algarve: hoje num hotel de Albufeira e sexta-feira no Teatro Municipal de Faro.
Considerando o cancioneiro do Brasil «muito feliz, colorido e cheio de sol», o que «encaixa bem» na sua personalidade, Maria João reitera que a música brasileira tem uma riqueza «de cair para o lado».
«Já gravo música brasileira desde 1989 e sempre que eu podia punha uma música ou outra nos discos», explica, considerando a música do outro lado do Atlântico «muito fácil de ouvir».
«Não de fazer mas de ouvir», afirma.
«E agora foi a aventura total porque se proporcionou. Foi possível fazer isto agora, nesta altura, a editora também quis. E aconteceu», disse.
O regresso ao trabalho a solo, depois de mais de uma década de parceria com Mário Laginha, é encarado por Maria João como «uma pausa» e desmente que haja qualquer zanga.
«Não houve nenhuma ruptura, continuamos a trabalhar os dois, ainda agora tivemos dois concertos integrados no projecto "Fallow the Songlines", do [cantor belga] David Linx, com a Orquestra Nacional do Porto», sublinha.
Conclui que continuará a trabalhar com Mário Laginha, que descreve como o seu «amor primeiro», apesar de, por agora, cada um estar «a fazer as suas coisas».
Consciente de que o rico repertório inscrito nos 15 discos que publicou desde 1985 «ajudou a criar um público mais alargado» do que o que anteriormente se dedicava ao jazz, sublinha que os mais de 10 anos de parceria com o pianista Mário Laginha foram fundamentais para esse alargamento.
Reconhece que, mesmo assim, é difícil permanecer no registo jazzístico, sem cedências à facilidade.
«É difícil, mas eu sou muito teimosa e determinada e quando meto uma coisa na cabeça, faço-a. Meti há 20 anos na cabeça que havia de fazer a música que amo durante a vida toda», diz.
«Sempre fiz aquilo que me deixa feliz, nunca fui obrigada ou pressionada pelas editoras. Há 24 anos que faço o que quero, mesmo a Operação Triunfo e um anúncio que fiz há tempos foram coisas que me deixaram feliz e que gostei de fazer mesmo», sublinha.
Ainda assim, observa que o trabalho que escolheu não é fácil: confessa-se cansada das viagens constantes e do stress que está por trás do brilho das lantejoulas.
«Aquilo que as pessoas vêem normalmente é o topo da pirâmide, é a parte dourada que resplandece ao sol, que são os concertos, mas isso já é o topo do caminho», mas por trás há «trabalho duro».
Um labor que tem momentos reconfortantes, como aqueles em que, no final dos espectáculos, as pessoas vão ter com ela «com os olhos vermelhos de tanto chorarem» e a abraçam, agradecendo as emoções que lhes transmitiu.
Longe vão os tempos, em 1985, em que o parco panorama do jazz em Portugal - sobretudo do cantado - não lhe permitia manter-se no país em que nasceu, a 27 de Junho de 1956, filha de pai português e mãe moçambicana.
Um dia, meteu pés ao caminho e foi para a Alemanha, fez 24 concertos em um mês e uma semana, período em que emagreceu seis quilos.
«Ganhava 10 contos [50 euros] por concerto, um dia comprei uma camisola que me custou três concertos», recorda a cantora, que hoje classifica a Alemanha como o seu «segundo país em matéria de concertos e de discos», com «um público maravilhoso».
Na Alemanha ou em Portugal - onde também se considera «muito mimada» -, Maria João gosta sobretudo do convívio com o público, da emoção que lhe é transmitida pelos que assistem a cada concerto.
«Gosto dos concertos porque gosto de mudar tudo, este foi diferente do outro e depois as pessoas também me surpreendem, acabam por ser também intervenientes e por influenciarem o concerto», confessa.
Ao contrário dos concertos e recitais, que classifica de «emotivos e libertadores», os «cartões de visita dos artistas» que são os discos são, para ela, «um autêntico sofrimento».
«O trabalho em estúdio é sempre um sacrifício para mim, é um sofrimento», conclui.

Diário Digital / Lusa

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